quarta-feira, 28 de novembro de 2007

No bar


Quando estava sozinha no bar Cecília deixava-se ter amantes imaginários. E em sua mesa de canto sentia uma alegria sutil ao constatar que também fazia parte do romance fingido dos outros. Entre as brechas de fumaça e jazz deixava fluir o jogo de luz e sombra.
_ Ah, o que essa mulher faz sozinha e calada a essa hora?
Imaginava a indagação muda dos outros, sentindo-se deliciosa e clichê. Naquele tempo não queria ainda conversar, era como se sondasse o terreno e deixava que as noites a atravessassem e a tornassem cada dia mais familiar, a tal ponto que notava uma cumplicidade na maneira que os garçons buscavam a dose de gin e em como correspondia a tímidas saudações com ligeiros movimentos de sobrancelhas. Enfim mergulhava na fantasia e adivinhava o gosto de cada um daqueles amantes hipotéticos, que até já começavam a invadi-la em sonhos eróticos: primeiro foi o guitarrista da banda de jazz e depois a mulher sombria que gargalhava com excesso de dentes.
E toda semana repetia seu rito, abraçando a infinitude de ser uma incógnita.


(Imagem de Dignimont André)

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