Quando fui chamado para uma conversa com Dona Carmem engoli um pouco da convulsão assassina que me tomou. Minhas mãos tremiam. Em sua maldita ante-sala observava a secretária em sua expressão plácida, mecânica, falsamente cordial. Ela estava calada, normalmente tagarelava inutilidades, mas aquele dia ela só podia estar silenciosa por um motivo: era minha demissão! Não tinha mais jeito, todos naquela empresinha de merda já sabiam de meu ódio a Dona Carmem. Durante os três anos que trabalhara ali sempre deixara uma ironia ou outra de relance, entre alguns comentários até maldosos, porém já tinha algum tempo que eu me divertia muito ridicularizando Dona Carmem para todos, até diante seus conhecidos puxa-sacos, e há muito que nem falava mais de salários injustos, horas extras mal pagas, falta de ética profissional. Nada disso, agora eu imitava o andar vitoriano dela, sua fala desprovida de paixão, os cacoetes de seu rosto no momento em que estava tensa, seu senso de humor ridículo, o colarzinho com um crucifixo romano. E cada dia crescia minha vontade de estrangulá-la lentamente, apertando seu pescoço enrugado bem devagar, sufocando-a em silêncio, observando seus olhinhos de azeitona tornarem-se novamente puros para deixar que recuperasse o fôlego. Aí repetiria a ação novamente e novamente e novamente e novamente... _ Dona Carmem já vai te atender. Acordei bruscamente das delícias de meu ódio e senti eletricidade percorrer minha espinha. Era o momento!
(continua... na imagem um dos dragões de Goltizius)
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