quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Memórias de Jocasta: Capítulo 6


Mas Patrícia nunca se contentou em ser apenas uma assistente, ela queria Hedoni por inteiro e depois de muitos números com pombas, porquinhos-da-índia, e outros animaizinhos ela conseguiu o casamento. Querendo agradá-lo ela se entregava a espetáculos cada vez mais perigosos, sentindo prazer em correr perigo real. Numa época que o relacionamento deles estava tenso Hedoni acabou desconcentrando (ou deixou que a raiva o tomasse?) e cerrou acidentalmente a mão direita de Patrícia.
Desde então ela se tornou sombria, taciturna... nutrindo um ódio profundo contra mim.


(imagem de Adriana de Castro)

sábado, 23 de agosto de 2008

Uma volta completa ao redor do sol


Nascido em mares lusitanos sob as barbas de Leão e desatinando sem pátria na casa de Virgem hoje contemplo um caminho especial que nem pode me pedir palavras, mas sim a graça daqueles devaneios que conseguiram arrancar minicontos, divagações e novelinhas, mesmo que brotando de mãos demasiadamente ansiosas...
Fast Fábula está completando um ano!
Contemplo agora tudo o que passei e que nasceu nesse tempo, sentindo que podemos destilar uma gota de poesia viva! E ainda abençoar nosso novo ciclo que como sempre promete ser lírico, intenso, engraçado, emocionante, sincero...
Muito obrigado a todos que me acompanharam durante este ano, mesmo que tenha sido apenas por um momento breve!
Ergamos a taça para um grito ao bom deus da loucura:
_ Evoé!

De presente coloco aqui um curta do Tim Burton que vale muito assisitir...

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Memórias de Jocasta: Capítulo 5


Foi no auge de nosso sucesso que apareceu Patrícia. Hedoni já tinha assumido seu pseudônimo de sucesso, uma mistura do nome do grande Houdini com sua própria natureza hedonista, já que deixara para trás seus valores conservadores e passara a degustar as delícias da boemia. Entregava-se loucamente às festas, aos entorpecentes e às fêmeas de suas espécie (na sua maioria vadias sem graça). Eu não ligava muito para elas, nem nutria ciúmes, porém percebi que Patrícia era diferente. Ela apareceu silenciosamente num sarau libertino e assim que pôde trancou-se com ele no quarto, realizando um número bizarro de ilusionismo erótico com pombas. Estando ali por acaso acabei obrigada a assistir, tentando ainda afugentar as malditas pombas que atacaram minha comida.
Então, para minha desgraça, ele inventou de contratá-la como sua assistente.

(imagem de Di Cavalcanti)

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Toni & Berto



encomendado por Fábio

Você está vivendo no lixo... dizia Toni na cara de Berto, que nem se importava. Mas tão-pouco Toni também se importava e apenas repetia aquela frase como o refrão inevitável de uma canção vadia. Toni vestiu-se impecavelmente, mesmo que fosse para visitar aquele buraco podre. E era assim que o próprio Berto se referia à sua casa quando abria sua porta sorridente: bem vindo ao buraco podre. Naquela manhã um sol árido incidia em todo o lixo, restos de vômito e merda de maneira que o fedor ardia nos raios cobertos de moscas gordas. E ainda havia o perfume adocicado de Toni, que coroava o ambiente com o toque supremo de náusea. Berto vomitava mais do que o costume, a ponto de tanto ele quanto Toni se surpreenderem com a incrível capacidade daquele corpo em regurgitar lixo.
Toni o ajudava a se erguer, e mesmo com roupas tão alvas abraçou o amigo.
_ E vim aqui pra passarmos uma manhã agradável...
Dizia sentindo aquela sujeira pegajosa fazendo parte de si. Teve até um sobressalto porque até então nunca permitira que a sujeira de Berto o tocasse. Mais que isso! Naquela hora ela fazia parte de si, sentindo-se unido ao amigo quando recebeu a última golfada do vômito em seu peito. Era quente, intenso e com um cheiro inebriante de vinho barato.
Berto tentava manter-se em pé e sorriu com fraqueza, deixando que Toni o conduzisse à banheira, tirasse sua roupa, abrisse a água quentinha e ferisse vagorasamente sua pele com riscos de faca. Ele não sentia dor, mas sim pureza por esquecer as outras feridas já infestadas de pus seco e desamparo. Toni arriscou vários lugares até finalmente encontrar o ponto ideal na extremidade do pulso esquerdo do amigo. Então delicadamente raspou também o seu e uniu as feridas.
Ambos acharam bonito ver o próprio sangue se emaranhando com o do outro, depois pedaços deles que também se misturavam, até que se deixaram levar por uma alegria boba ralo abaixo.




(imagem de Schiele)

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Memórias de Jocasta: Capítulo 4


Ah... então vieram as luzes da ribalta, a época de ouro. Hedoni e eu éramos incríveis, impecáveis! Ele trocou num lampejo seus estudos e o sucesso veio como mágica. Criávamos juntos e cada vez eu me tornava mais atraente e hábil em meu número de desaparecimento. Tanto que já vencera lugares muito mais difíceis do que a tradicional cartola. O que mais gostava era de quando alcançamos a destreza do número do porta-jóias. Ele me colocava dentro de um pequeno porta-jóias de louça, arregaçava as mangas e martelava com violência.
O objeto era estraçalhado enquanto eu tinha que fugir veloz para meu esconderijo íntimo... e pouco depois ressurgia, no topo de sua cabeça.
Tínhamos uma queda pelas cenas perigosas!


(imagem de Sir John Tenniel)

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Cada louco


E hoje, que me liga um homem todo cheio de polidez, me chamando de Senhor Professor, dizendo ter um violino de 150 anos e questionando se tenho interesse em comprar...

Cada uma!


(imagem de Juan Gris)

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Memórias de Jocasta: Capítulo 3


Sim, eu era tão pequena ainda quando Hedoni me colocou na cartola pela primeira vez. Ele nem pensava em ser mágico ainda, chamava-se José Acácio e fazia faculdade de agronomia. Um dia, numa festinha qualquer, por ter uma tenra coelhinha em casa, resolveu brincar com aquele número clássico de tirar o bichinho da cartola. Ele nem tinha cartola também e meteu-me num chapéu coco improvisado. E o número foi perfeito, mas graças a mim. Ele ainda não tinha arte e eu que tive que fazer todo o trabalho sozinha. Tenho muito orgulho de ter sido sua grande incentivadora.
Ah, se Patrícia pudesse ter compreendido isso: Hedoni e eu sempre fomos a mesma alma.

(imagem de Paul Sydney)