quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Noite e Dia


encomendado por Eversom
Gosto de estrobo no pão com mortadela, maionese e restos de picles misturados ao sabor de cigarros, cerveja e beijos de tantas bocas que ele mal podia lembrar. Nos olhos a clara alvorada filtrada pelo vidro baço da cozinha. Já era dia e a noitada ainda percorria seu corpo entre odores e sensações que ainda tentava agarrar como um souvenir insólito.
Mas era o momento da renovação necessária.
Com cuidado despiu-se e na água límpida da banheira seu corpo de homem passou pela metamorfose. Pouco a pouco os pedaços dos últimos dias despedaçaram-se e ele se tornou mulher.
Vislumbrou então o oceano que circulava suas pernas enquanto tudo ao seu redor renascia em luz. Finalmente sua alma deixava que o dia resplandecesse: entre o sono e vigília ela era um navio português que explorava o contorno de continentes estranhos em busca de perfume e especiarias.
Foi então que percebeu, em meio ao gesto tolo de apanhar a tesourinha de unha, que seus seios inchavam e contrações sutis aconteciam em seu ventre.
Estava grávida de si mesmo.


(imagem de Frida Khalo)