domingo, 30 de setembro de 2007

Meia Luz

Ontem chorei tanto nos ombros de Beti que
Chorei? Será que chorei nos ombros dela?
Tento lembrar mas é confuso, primeiro estávamos tomando sol nos rochedos à tarde e ela me disse que desejava ficar aqui para sempre, sem nunca mais ver cidade, pessoas ou emoções súbitas! Tudo o que precisa agora é esta casa velha nos rochedos. E talvez ela fizesse do mar seu único amante. Acho que foi então que comecei a chorar sem que ela notasse. Eu nunca poderia competir com o mar para ser sua amante, e acho que entristeci por ter marido e filhos na cidade, de repente tenho medo de também não querer mais nada além dela e as pedras... então de noite fui pentear os cabelos numa vaidade sem sentido e ela me ajudava. Ela me ajudava? Ao mesmo tempo eram as mãos de Lauro, o amante dela, que nunca vi, mas que sentia me tocar com seus dedos finos de violinista. Acho que então tomamos vinho e meu corpo lembra de dançar. Foi neste momento que os dedos dela me penetraram?
Foi então que me vi transformada num cavaleiro andrógino que precisava comê-la numa fome sanguinolenta.
Foi aí que comecei a sonhar?
_ Sonhei hoje que você me entregava um pênis numa caixa de jóias, era grande e eu o guardava com medo...
Elizabete sorri. Eu pergunto:
_ O que fizemos ontem à noite depois que você me penteou?
_ Eu não te penteei ontem à noite.
Meu coração dispara como um pobre coitado afoito e covarde, volto-me para os rochedos e sinto pena por não ser poeta, atriz, pintora, uma artista como ela.
Repreendo então as lembranças de minha pele que insistem em me trazer o cheiro do gozo dela e de todas as bocas que me chuparam na noite passada.

(Final de semana tomado por arte nórdica. Este conto é inspirado pelo filme “Persona” de Bergman, misturado com as impressões de uma peça de J. Fosse e um sonho que tive. Na imagem, Liv Ullmann, em “Persona”)

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