terça-feira, 13 de maio de 2008

Ciranda: Nádia


Ela só queria dormir, mas todos os olhos que pousaram sobre ela a condenavam. Lembrava muito bem do desprezo dos enfermeiros e do próprio médico, que insinuara o fato de que duas emergências tiveram que esperar por causa de uma menina mimada. Na hora ela tentou falar que não quisera se matar, mas sua voz não saía no meio da maciez de todos sedativos que tomara. Apenas ouvia ao fundo a voz pastosa se distanciando, sentindo uma pequena revolta por não poder se defender, por não poder gritar que já estava há uma semana sem dormir e sua cabeça elétrica, para seu desgosto sempre tão cheia de vida, pedia inutilmente por algumas horas de sono.
Martinha, a mãe de Nádia, veio correndo com a notícia, estivera trêmula na direção e quase bateu o carro duas vezes. Imaginou a manchete: Filha tenta suicídio e mãe morre ao caminho do hospital. Fez sinal da cruz duas vezes esquecendo-se que não acreditava em qualquer deus. No hospital deixou a antiga boneca da filha aos pés de seu leito e chorou muito, desabafando uma declaração de amor que era esperada por anos.
Mas Nádia não ouviu, dormia calma e leve como uma menininha.


(a pintura chama: Garota triste com garras e chapéu, mas não descobri o nome do autor)

2 comentários:

O Silêncio do Barulho Surdo disse...

Os ouvidos nem sempre são para ouvir!
;-)

Maria Cláudia S. Lopes disse...

vc tá descrevendo as sensações do viver cada vez melhor Celsim....fico tão orgulhosa hehe