quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Quase


Por toda a noite os três bordéis do quarteirão brigavam por atenção.
_ Hoje não paga entrada...
_ Hoje não paga a cerveja!
_ Hoje só tem moça virgem.
E a rua se dividia entre boêmios perdidos na madrugada de quarta-feira e os moradores da região que tentavam dormir. Entre eles havia um senhor não muito paciente e que cada noite polia sua arma alimentando o sonho de calar aqueles galos presunçosos. Naquela noite, rodeado por problemas no trabalho e devorado pela insônia, o homem foi para sua posição privilegiada no sétimo andar e começou a mirar em silêncio...

_ Uni... duni... tê...
E o tiro escapou num estrondo quase ignorado em meio à barulheira de buzinas, encontrando a carne de Margarida ao invés de seu alvo. Logo a rua fervilhava de viaturas e vozes que tornaram a noite do atirador ainda mais angustiante, enquanto a moça caída no chão sentia-se querida por se tornar o centro das atenções daqueles olhos carinhosos, até esqueceu a dor e sorriu para o anjo da morte, mas preferiu flertar com o belo enfermeiro, com quem teve um amor intenso ainda no hospital.
E ele quase foi o homem de sua vida, mas nunca mais ligou para ela quando ganhou alta.
Margarida foi muito infeliz.

(imagem por Charles Domsky)