quarta-feira, 1 de abril de 2009

As vizinhas suicidas


Nunca pensei em me matar antes de morar neste prédio. Será? Pelo menos nunca imaginei viver num local onde a morte se faz visita constante. Mais uma moça se matou. Quase uma semana que estava morta e ninguém descobria, nem mesmo seu cheiro de decomposição atravessava as paredes. Por que essa me chocou mais que a outra? Esta eu conheci e até invejei. Sim. Invejei seu cabelo ondulado e brilhante, sua boca de carne fresca, os rapazes com quem subia de elevador, até seu nome de santa. Mas vivia sozinha e ninguém se lembrou dela na última hora. Assim como eu. Já a primeira que se matou foi encontrada mais rápido porque tinha diarista. Essa eu não invejava porque era parecida comigo. Quando desceram com o corpo passaram por mim e vi as gotas de sangue. Matou-se na banheira, com os pulsos cortados. Alguns dias antes tinha me imaginado assim também, tinha até vislumbrado a cara de minha mãe quando me descobrisse. Ela ficará louca de ter que velar o corpo maldito de um suicida, e ainda receber aqueles pêsames irônicos. Nunca quis me matar e agora sei que posso ser a próxima... Tenho medo de também ser uma morte esquecida e estou amiga de alguns vizinhos, sorrio e converso com todos que encontro no elevador, levo bolo aos porteiros, mostro para todos que existo e tenho encantos. Preciso ser encontrada com amor! Talvez por meu príncipe encantado, talvez marque uma festança para a hora H e aí sim, sendo convidada e agendada dessa forma, quero ver se essa morte solitária dá mesmo as caras e tem coragem de me arrebatar no melhor da festa.

(imagem de Chagall)

Um comentário:

Maria Cláudia S. Lopes disse...

tão verossímel esse que fiquei me perguntando se isso rolou mesmo no seu prédio...se vc conhecia a moça que morreu...conhecia? rs