sábado, 14 de agosto de 2010

Maldita Milonga


“Não existem fronteiras, as verdadeiras fronteiras são as fronteiras do pensamento...”

Sara Rosales, artista e intelectual que canta tangos no metrô de Buenos Aires


Trinta anos e não tinha ainda colocado os pés fora do Brasil, agora entendo melhor esse país porque estive fora. Em Buenos Aires pude perceber diferentes cores que tão bem me colorem, não apenas porque chorei ouvindo tango e descobri maravilhado a batida de pés dos tocadores de bandaneón, mas principalmente porque me canso um pouco do excesso de gestos, das falas gritadas e do deboche dos brasileiros. Me canso porque também sou assim, e de repente estar num país que é tão próximo e tão distante ajudou a estar um pouco fora de mim mesmo e deixar vir o silêncio. Não sei mais de que parte do mundo sou... Com a identidade confusa sinto que não consigo ser São Paulo, onde turba é violenta, caótica e selvagem. Talvez nem possa ser também Sacramento, onde o povo é delicado e acolhedor, mas capazes de matar tamanduás a pauladas por diversão.

Prefiro ser o eterno estrangeiro...

Não sei como é a Argentina por dentro, não sei o que se esconde nos porões de Buenos Aires ou que tipo de lama apodrece em seus portos... sei que queria um Brasil menos cruel, menos caótico, menos egoísta e que não nos sufocasse dessa maneira com sua massa cega e carente.

Bendita milonga porteña que me fez amar ainda mais o tango, o fado, o samba-canção...

Maldita milonga que doou minha alma ao mundo.


sexta-feira, 2 de julho de 2010

Diário afobado, porém honesto...


Enquanto soam vuvuzelas eu escorrego em minha insônia, os personagens dos causos do Belazarte, cujo estribilho já plagiei por aqui, agora podem ser minha primeira obra dramatúrgica pra valer, senão dá-lhe mais Machado que logo logo serei especialista em vivê-lo do teatro. Isso lembrando que as Batatas persistem e que a Igreja do Diabo teima voltar. Me consolo no violino, que se entrelaça com dança atualmente e no meio do caos encontro um novo guro e ainda fujo para o meio do mato no meio da tarde pra sentir melhor o sol de inverno, (agora parodiando Fagner) Quem dera ser um fauno, pra em seu límpido bosque masturbar... isso aqui não é um curta de meio de semana porque cansei dos velhos modelos deste blog e meu mundo ainda pede renovação.

E deus queira que isso já seja um renascimento.


Ou mesmo o começo da morte!


Pois que soem as verdadeiras trombetas do apocalipse.


sexta-feira, 28 de maio de 2010

Lapso

O blog esteve abandonado às moscas enquanto eu tentava me manter equilibrado dentro do olho do furacão.
Mas agora o vento já sopra com outra intensidade e me preparo para voltar definitivamente ao mundo das letras virtuais...
Seja neste blog ou num novo!

Me dêem só mais um momento de suspiro...
volto já!

terça-feira, 6 de abril de 2010

O salmão e o grande amor


Depois de muitas histórias sobre Madame Verônica Anita resolveu comprovar a competência da cartomante. Sua questão era a mesma em todos os oráculos que consultava:
_ Quando virá meu grande amor?
_ Será o homem que te chamar para jantar e lhe oferecer salmão.
Algum tempo depois Anita foi trabalhar na recepção de um hotel internacional e devaneava horas tentando adivinhar qual daqueles gentis-homens e celebridades faria o convite sagrado. Chegou algumas vezes a se insinuar para alguns senhores solitários, sempre lembrando que o salmão do restaurante era impecável.
Aconteceu então numa noite insossa, onde perdia seus pensamentos em outras fantasias, de ser convidada para comer com Pablo, um garçom jovial com quem vez ou outra trocava algumas palavras. Era fim de noite e comeriam os restos de um jantar pomposo.
E finalmente veio o bendito salmão! Já um pouco frio e com um sabor terrível de predestinação.
Anita sentiu uma fisgada no corpo, estava já tão carente e sonolenta que se entregou ao moço, porém o renegou no dia seguinte. Pablo gostava dela e até insistiu por um tempo, mas Anita permaneceu impassível, flertando desesperadamente com qualquer bom-partido que tivesse oportunidade.
Anita foi muito infeliz.

(imagem de Nan Cuz)

terça-feira, 23 de março de 2010

Mini-diário ou Relatos de fatos urgentes diretamente do inferno (astral)


O que será do Fast Fábula? Vira diário de vez?

Por enquanto dou notícias bem rápidas porque o tempo urge.

1 – Aconteceu uma história interessante no começo do mês que preciso escrever. Provavelmente se chamará “Flores para Sinisterra”. Fato verídico que não posso deixar de registrar antes que a memória se esfumasse.

2 – Lendo muito sobre bruxaria.

3 – Numa loucura porque o 3 em 1 vai pra Fortaleza e tivemos a brava missão de preparar uma amostra do projeto em quatro pessoas, criando um espetáculo teatral em um mês (menos um pouco na realidade). Muito Diabo em nossas vidas e mais Machado de Assis, mas uma vez envolvido numa adaptação teatral do cara. Quem sabe o que faremos com a Igreja do Diabo depois disso.

3 e meio – Isso sem falar que continuo tendo que ensaiar a peça das Batatas com outro elenco. Negócios são assim mesmo.

4 – E a viagem pra Fortaleza é nesta quinta-feira de manhã, ainda não temos as informações das passagens mas nossos nomes estão na programação. Aliás, colocaram nossa apresentação de uma forma bem engraçada:


“Artista – Celso Amâncio 3em1.”


Parece que sou um ultra-ego ou alguém com um nome que dispense explicações, o legal é que está na categoria de Artes Integradas. Isso é bom! Assim engorda meu currículo de ator, músico, escultor, dançarino ou qualquer coisa que inventar de fazer nos próximos anos. Aí vou me apresentar também com o Arlecchinho, do Teatro Commune, duas apresentações teatrais no dia do meu aniversário, ano passado foi só uma e foi mais perto, era em Curitiba. O que será pro ano que vem?


5 – O diário não tá mais mini. E termino esse post descabelado com a constatação feliz que alguém em Mountain View CA continua visitando este blog.


segunda-feira, 15 de março de 2010

Sorte sem nome


Sorte do dia


Tirei a carta da morte.

Saí para comprar-lhe flores.


(micro-conto escrito numa oficina com Del Fuego ano passado)


Vivendo os dias escondido vou aos poucos matando meu diário. Diário de incertezas que nem mesmo queria esse título tão humilde.

Diário mal-disfarçado que almejava ser página de poesia.

Talvez seja a hora de olhar a cara desta morte sem nome e viver o desapego: chegou a hora de deixar que o novo tempo seja semeado.


(imagem do Arcano XIII do tarô de Marselha restaurado por Jodorowsky)

quinta-feira, 4 de março de 2010

Um fantasma

Mesmo depois de morta Joana não conseguiu aplacar o rancor que nutria de seus familiares.
Resolveu ser um eterno fantasma na vida do marido, dos filhos e netos... sempre lembrando-lhes o quanto foram displicentes com seus sentimentos e como sacrificara toda sua felicidade por aqueles que nem foram capazes de construir-lhe um túmulo digno!
No começo todos se assustavam, mas reconheceram suas falhas e decidiram homenagear Joana com um mausoléu belo e aconchegante. Porém mesmo assim Joana reclamava: o mármore branco sujava muito, as flores eram constantemente roubadas, o sol era forte demais no começo da tarde... Tantos eram os caprichos que todos acabaram dispondo grande parte de seu tempo cuidando da beleza e asseio daquele jazigo.
E enquanto eles estavam no cemitério Joana respirava aliviada...
Encostando-se preguiçosa no sofá finalmente apreciava a harmonia de sua casa.

(imagem de Maurice Denis)