sábado, 30 de outubro de 2010

A brisa e os instantes eternos


Moço da rua, que vem quando menos se espera e derrama palavras sobre mim. Homem de ferro e fogo que se deixa perder de vista vagarosamente.

Esqueçamos a vida vadia de desencontros e vamos cantar: abraçar esses instantes vivos, talvez fugidios, sem permitir que se tornem sal nestas velhas feridas que insistimos em cultivar...

Quero mesmo é ser levado por esses porões com cheiro de samba e deixar que a vida amanheça sem medo sobre nossa pele.

domingo, 10 de outubro de 2010

O dia mais triste do ano



O dia mais triste do ano é cinza e frio em plena primavera. Tudo que existe dentro se transforma num sentimento longínquo e grave como as raízes de uma velha árvore seca.
Há um mês aconteceu a grande perda, e diante da roda desenfreada dos últimos dias o pobre coração ingênuo tropeça e se esborracha num chão de pedras pontiagudas.
Para este dia não há palavras nem sons que saciem, quisera poder me entregar a um sono nulo e tão denso quanto o buraco que se atira sobre mim.


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Mutum

Minha terra tem árvores secas, ipês e tucanos, as vezes se avista um buriti disfarçado de palmeira.

Nesse tempo de fim de seca o rio segue seu curso alheio aos banhistas, trazendo seus bichos e lendas tão perto que podemos apanhar com as mãos.

E vêem-se tantos tucanos que nem há mais espanto com seus voos e seu cantar grave de matraca.

Já a sucuri enrolada na rede de pesca é uma surpresa: A lendária anaconda comedora de gente espera pacífica que a salvem desta enroscada.

Afinal ela ainda é jovem e pequena, apenas tentava comer umas capivaras noite afora... Este é meu pai devolvendo a pesca exótica ao rio...

que segue...


(Todas essas fotos foram tiradas por minha mãe em nosso rancho na beira do Rio Grande, divisa de Minas com São Paulo, são fotografias de dias diferentes. Neste feriado tive muito sol, água fresca, parentes e pães-de-queijo.)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Malenas



A todas as Malenas do mundo, até para aquelas que nasceram com outros nomes...


A Malena que conheci não canta tango, tão pouco tem qualquer pena do bandoneón. Já a outra Malena, a da canção que me fez chorar em Buenos Aires, emocionou seu autor em São Paulo nos anos 40. Esta é Malena de Toledo, nascida no Chile, crescida no Brasil, viveu na Argentina, Venezuela e morreu no Uruguai. Minha Malena, que também conheci em São Paulo, não se preocupa em ser assim, mulher da América do Sul inteira, embora já tenha fugido até para mais longe, chegando aos confins da América do Norte.


Está cansada de tango, vinho e tragédia. Trocaria todos os bandoneóns de sua vida por uma orquestra de berimbaus.


Malena prefere fugir dos homens argentinos, quer beber caipirinha, dançar samba e extravasar ruidosas gargalhadas nos restaurantes. Malena é judia e tem uma voz clara, tão diferente dos tons escuros da outra.

Malena procura um homem que não seja seu conterrâneo, talvez tenha medo que se volte a repetir tantas comédias sem nexo que a vida lhe armou. Ontem tentou um noivo canadense, apaixonou pela Bahia e agora pensa em morar em São Paulo.


Já Malena de Toledo cantou o tango que carregava seu nome sem saber que era para ela, quando descobriu ficou de tal maneira impressionada que nunca mais o cantou. Depois de sua morte, tantas outras Malenas reivindicavam ser a musa da canção que até foi criado o dia das Malenas.


A Malena que conheci não se arrisca a cantar nada, mas em cada gargalhada e trejeito expõe seu coração lívido para quem o quiser colher.


sábado, 14 de agosto de 2010

Maldita Milonga


“Não existem fronteiras, as verdadeiras fronteiras são as fronteiras do pensamento...”

Sara Rosales, artista e intelectual que canta tangos no metrô de Buenos Aires


Trinta anos e não tinha ainda colocado os pés fora do Brasil, agora entendo melhor esse país porque estive fora. Em Buenos Aires pude perceber diferentes cores que tão bem me colorem, não apenas porque chorei ouvindo tango e descobri maravilhado a batida de pés dos tocadores de bandaneón, mas principalmente porque me canso um pouco do excesso de gestos, das falas gritadas e do deboche dos brasileiros. Me canso porque também sou assim, e de repente estar num país que é tão próximo e tão distante ajudou a estar um pouco fora de mim mesmo e deixar vir o silêncio. Não sei mais de que parte do mundo sou... Com a identidade confusa sinto que não consigo ser São Paulo, onde turba é violenta, caótica e selvagem. Talvez nem possa ser também Sacramento, onde o povo é delicado e acolhedor, mas capazes de matar tamanduás a pauladas por diversão.

Prefiro ser o eterno estrangeiro...

Não sei como é a Argentina por dentro, não sei o que se esconde nos porões de Buenos Aires ou que tipo de lama apodrece em seus portos... sei que queria um Brasil menos cruel, menos caótico, menos egoísta e que não nos sufocasse dessa maneira com sua massa cega e carente.

Bendita milonga porteña que me fez amar ainda mais o tango, o fado, o samba-canção...

Maldita milonga que doou minha alma ao mundo.


sexta-feira, 2 de julho de 2010

Diário afobado, porém honesto...


Enquanto soam vuvuzelas eu escorrego em minha insônia, os personagens dos causos do Belazarte, cujo estribilho já plagiei por aqui, agora podem ser minha primeira obra dramatúrgica pra valer, senão dá-lhe mais Machado que logo logo serei especialista em vivê-lo do teatro. Isso lembrando que as Batatas persistem e que a Igreja do Diabo teima voltar. Me consolo no violino, que se entrelaça com dança atualmente e no meio do caos encontro um novo guro e ainda fujo para o meio do mato no meio da tarde pra sentir melhor o sol de inverno, (agora parodiando Fagner) Quem dera ser um fauno, pra em seu límpido bosque masturbar... isso aqui não é um curta de meio de semana porque cansei dos velhos modelos deste blog e meu mundo ainda pede renovação.

E deus queira que isso já seja um renascimento.


Ou mesmo o começo da morte!


Pois que soem as verdadeiras trombetas do apocalipse.


sexta-feira, 28 de maio de 2010

Lapso

O blog esteve abandonado às moscas enquanto eu tentava me manter equilibrado dentro do olho do furacão.
Mas agora o vento já sopra com outra intensidade e me preparo para voltar definitivamente ao mundo das letras virtuais...
Seja neste blog ou num novo!

Me dêem só mais um momento de suspiro...
volto já!

terça-feira, 6 de abril de 2010

O salmão e o grande amor


Depois de muitas histórias sobre Madame Verônica Anita resolveu comprovar a competência da cartomante. Sua questão era a mesma em todos os oráculos que consultava:
_ Quando virá meu grande amor?
_ Será o homem que te chamar para jantar e lhe oferecer salmão.
Algum tempo depois Anita foi trabalhar na recepção de um hotel internacional e devaneava horas tentando adivinhar qual daqueles gentis-homens e celebridades faria o convite sagrado. Chegou algumas vezes a se insinuar para alguns senhores solitários, sempre lembrando que o salmão do restaurante era impecável.
Aconteceu então numa noite insossa, onde perdia seus pensamentos em outras fantasias, de ser convidada para comer com Pablo, um garçom jovial com quem vez ou outra trocava algumas palavras. Era fim de noite e comeriam os restos de um jantar pomposo.
E finalmente veio o bendito salmão! Já um pouco frio e com um sabor terrível de predestinação.
Anita sentiu uma fisgada no corpo, estava já tão carente e sonolenta que se entregou ao moço, porém o renegou no dia seguinte. Pablo gostava dela e até insistiu por um tempo, mas Anita permaneceu impassível, flertando desesperadamente com qualquer bom-partido que tivesse oportunidade.
Anita foi muito infeliz.

(imagem de Nan Cuz)

terça-feira, 23 de março de 2010

Mini-diário ou Relatos de fatos urgentes diretamente do inferno (astral)


O que será do Fast Fábula? Vira diário de vez?

Por enquanto dou notícias bem rápidas porque o tempo urge.

1 – Aconteceu uma história interessante no começo do mês que preciso escrever. Provavelmente se chamará “Flores para Sinisterra”. Fato verídico que não posso deixar de registrar antes que a memória se esfumasse.

2 – Lendo muito sobre bruxaria.

3 – Numa loucura porque o 3 em 1 vai pra Fortaleza e tivemos a brava missão de preparar uma amostra do projeto em quatro pessoas, criando um espetáculo teatral em um mês (menos um pouco na realidade). Muito Diabo em nossas vidas e mais Machado de Assis, mas uma vez envolvido numa adaptação teatral do cara. Quem sabe o que faremos com a Igreja do Diabo depois disso.

3 e meio – Isso sem falar que continuo tendo que ensaiar a peça das Batatas com outro elenco. Negócios são assim mesmo.

4 – E a viagem pra Fortaleza é nesta quinta-feira de manhã, ainda não temos as informações das passagens mas nossos nomes estão na programação. Aliás, colocaram nossa apresentação de uma forma bem engraçada:


“Artista – Celso Amâncio 3em1.”


Parece que sou um ultra-ego ou alguém com um nome que dispense explicações, o legal é que está na categoria de Artes Integradas. Isso é bom! Assim engorda meu currículo de ator, músico, escultor, dançarino ou qualquer coisa que inventar de fazer nos próximos anos. Aí vou me apresentar também com o Arlecchinho, do Teatro Commune, duas apresentações teatrais no dia do meu aniversário, ano passado foi só uma e foi mais perto, era em Curitiba. O que será pro ano que vem?


5 – O diário não tá mais mini. E termino esse post descabelado com a constatação feliz que alguém em Mountain View CA continua visitando este blog.


segunda-feira, 15 de março de 2010

Sorte sem nome


Sorte do dia


Tirei a carta da morte.

Saí para comprar-lhe flores.


(micro-conto escrito numa oficina com Del Fuego ano passado)


Vivendo os dias escondido vou aos poucos matando meu diário. Diário de incertezas que nem mesmo queria esse título tão humilde.

Diário mal-disfarçado que almejava ser página de poesia.

Talvez seja a hora de olhar a cara desta morte sem nome e viver o desapego: chegou a hora de deixar que o novo tempo seja semeado.


(imagem do Arcano XIII do tarô de Marselha restaurado por Jodorowsky)

quinta-feira, 4 de março de 2010

Um fantasma

Mesmo depois de morta Joana não conseguiu aplacar o rancor que nutria de seus familiares.
Resolveu ser um eterno fantasma na vida do marido, dos filhos e netos... sempre lembrando-lhes o quanto foram displicentes com seus sentimentos e como sacrificara toda sua felicidade por aqueles que nem foram capazes de construir-lhe um túmulo digno!
No começo todos se assustavam, mas reconheceram suas falhas e decidiram homenagear Joana com um mausoléu belo e aconchegante. Porém mesmo assim Joana reclamava: o mármore branco sujava muito, as flores eram constantemente roubadas, o sol era forte demais no começo da tarde... Tantos eram os caprichos que todos acabaram dispondo grande parte de seu tempo cuidando da beleza e asseio daquele jazigo.
E enquanto eles estavam no cemitério Joana respirava aliviada...
Encostando-se preguiçosa no sofá finalmente apreciava a harmonia de sua casa.

(imagem de Maurice Denis)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Restos do carnaval



E lá vamos nós nesse sonho louco de carnaval.



Percorrendo as ruas do Rio reencontro as velhas fantasias dançando impunemente sobre um chão de embriaguez e desejo.



Dar à carne um pouco de excesso é o bálsamo para que suas inquietações adormeçam no silêncio mórbido da quaresma.



E que os demônios não perturbem por um tempo!



(na foto as saudações da boneca do bloco das Carmelitas de Santa Tereza, tirada pelo Gabriel... lá pulamos o Gabriel, a Anna e eu. Na foto abaixo, eu de Hare Hippie, ou de New Weard America e Anna com o nariz cortado vestida de Chun Pin, isso foi logo depois de um banho de mangueira. Gabriel era um revolucionário de saia e não apareceu porque batia a foto).





quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Sôdade


Será possível escrever sobre amor sem respirar os velhos clichês?
Dizem por aí que o amor perambula com graça tanto nas canções vadias quanto nos sonetos mais apurados, por enquanto sigo os conselhos de Rilke e não me arrisco assim tolo por um terreno tão espinhoso.
Já que no fundo qualquer coisa aqui é só inquietação...
Fuga desesperada ao impalpável por não ter agora os espasmos de seu corpo inconsciente abraçando minha insônia.



(imagem de Picasso)

sábado, 30 de janeiro de 2010

Epifania


Quando o menino descobriu a concha ficou intrigado com aquele pequeno objeto que carregava o mar inteiro dentro de si. E tanto o trazia junto ao ouvido que em pouco tempo já percebia claramente o canto das baleias, o movimento dos cardumes e até fofocas de sereias. Maravilhado com aquele pequeno grande mundo que cabia entre as mãos resolveu um dia fazer uma experiência: encostou um diapasão vibrando na ponta mais sensível da concha e mal pôde tomar fôlego diante da torrente de água e peixes.
Seu mundo irrompeu num esplendido maremoto.

(imagem de Phil Clarke)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Palestra com Samir Yazbek

Pessoal... esse blog tá meio abandonado, mas voltarei logo! Acontece que no momento estou muito envolvido com o 3 em 1, que também possui um blog atuante(link aí ao lado, no confabulando).
Mas hoje tenho a honra de comunicar que nosso projeto, semana que vem, receberá o dramaturgo e diretor teatral Samir Yazbek, um dos principais nomes do teatro paulistano atual.
Nosso encontro será no Teatro Commune, Rua da Consolação 1218, dia 2 de fevereiro, às 20h.
Entrada Franca!


quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Cantilena torta


Se um ladrão de sonhos se aproxima nossa noite contrai um gosto inevitável de ausência, e num pestanejar o mundo já se torna dia.
Quando os sonhos nascem invertidos não há canto que tire das sereias um fedor insuportável de peixe apodrecendo.

A Outra


Magda podia conviver com qualquer um de seus problemas, mas não podia aceitar aquela outra que morava dentro do espelho.
Descobriu isso numa tarde em que apenas experimentava sapatos, quando inocentemente percebeu que aquelas pernas não eram dela.
_ Me desculpe... mas essas pernas não são minhas...
A lojista respondeu:
_ Quanto a isso nada podemos fazer madame, aqui não vendemos pernas.
A partir de então a outra passou a ocupar-lhe o reflexo. E mesmo que Magda a enxotasse com insultos e ameaças a outra pouco se importava, encarando Magda com ar de desprezo respondia ríspida:
_ Morra de inveja! Sou mais bonita!
Sem suportar tal despeito Magda retirou todos espelhos de sua casa e resolveu que a partir de então nunca mais veria sua imagem. No começo foi estranho, mas rapidamente se viu tão despida de vaidade que resumiu todo seu guarda-roupa a singelos vestidos azuis.
Um dia passou por acaso perante um espelho e viu que a outra não estava mais lá, ao invés dela havia uma mulher simples e insossa de olhos cândidos.
Apaixonou-se tão perdidamente que voltou a maquiar-se e vestir-se com esmero para seduzir a todo custo aquela nova mulher!


(imagem de Picasso)

Um sonhador


Era um sonhador não por ser escravo de desejos inalcançáveis, mas simplesmente porque não conseguia parar de sonhar quando acordado.
E quantas maravilhas e pesadelos vivia em plena vigília!
Porém sofria, desde criança. Era tido como louco até pelos pais, que várias vezes tentaram internações em hospitais psiquiátricos, tratamento com drogas fortes e eletrochoques...
Ainda assim o perseguiam as figuras oníricas, hora atormentado por um duende, pego em conversas com uma tia morta, ou ainda gritando de medo ante uma serpente dançando em seus pés.
Tanto sofria que com quinze anos resolveu se matar!
Preparou-se para um ato definitivo, subiu ao topo de seu prédio, no vigésimo andar, e até sentia o coração em disparate quando saltou:
Mas qual foi sua decepção ao abrir os olhos!?
Ao invés de se arrebentar seu corpo simplesmente planava, com a leveza de uma pipa sobre o infinito de um céu macio.