domingo, 31 de maio de 2009

Vasto sertão metropolitano


Agora faz parte de meu cotidiano um outro lado da cidade, um lado distante e inalcançável para grande parte dos moradores. Um caminho que perpassa aqueles terminais de ônibus que julgamos longínquos e desagua em bairros de nomes bucólicos que nem imaginava existir. Ao caminho do terminal Guarapiranga um senhor me dá as indicações e revela as melhores veredas enquanto desfilamos naquela periferia infinita. Diz que muitas pessoas não conseguem suportar tanta distância e retornam antes de chegar... Imagino esses peregrinos enlouquecendo pelo caminho cinza-verde e me sinto forte... se não enlouqueci com a burocracia da prefeitura não serão duas horas de ônibus que me desviarão deste destino.


(foto de Ricardo Arruda sobre um grafite de um artista anônimo que atua na região do Capão Redondo, é perto do Jardim Vera Cruz, bairro do CEU que estou trabalhando... mas meu trajeto segue um pouquinho além...)

sábado, 23 de maio de 2009

Sweet Dreams (cap. 3)


Eu era o mesmo vagabundo desesperançado de sempre, e se nada em minha vida tinha sabor qual era o problema em pensar naquelas pessoas que não me convidavam para o porão? Um bicho desconfortável se remexia dentro de mim e não encontrava espaço em meu corpo franzino. Devoraria todos: como Margarida, a hippie idealista e hipocondríaca, Rosana, a libertina discreta, ou mesmo Túlio, pseudo-roqueiro que ficava tão sexy em calças de couro, e ainda Nayara, Bruninho, Gigi... Ontem a festa se resguardou em sonho recatado de senhoras inglesas, Liliti trazia uma coruja branca que acalmava aquele bicho maior que eu sob a pele.
_ O sangue do sacrifício sempre adormece as bestas... _ disse a coruja.
As alegres comadres riram vermelhas e repuxaram a saia.
Estavam sem calcinha as safadas!

terça-feira, 19 de maio de 2009

Del Fuego e eu


Tudo começou há um tempo atrás, quando por acaso acertei quem era o dono de certos sapatos numa promoção de um blog. Era no blog da Andréa! Del Fuego! A culpada por eu começar a inventar essas novelas que aparecem vez ou outra ... uma escritora que me despertou afinidades e estímulos desde o primeiro momento. Por que? Ela é pura poesia, numa prosa que eleva suas frases a versos de sutileza e mistério. Ler Andréa tem algo como sentar-se num café em Buenos Aires e escutar a fumaça cantando em bom português... (leiam e sintam suas próprias impressões) Devaneios à parte, uma história começou no momento que acertei que os sapatos eram do Marçal Aquino para ganhar um livro da Cris Lisboa e também o livro esgotado da própria Andréa. Mas os ventos foram para outros rumos e, depois de uma dispersão em meio à greve dos correios, os livros nunca chegaram. Ano passado fui a um lançamento e encontrei Del Fuego! Quando me apresentei ela se lembrou de mim e conversamos sobre o ocorrido... mas conhecê-la pessoalmente foi um presente melhor que qualquer livro: ela é simples, meiga e atenciosa como poucas pessoas talvez o sejam (verdadeiramente!) no meio literário.
Neste ano fui a um lançamento seu e por artimanhas loucas do destino fui pegar minha dedicatória junto com a Cris Lisboa... que me explicou todo o equívoco e se mostrou muito solícita, recebendo-me em seu escritório e presenteando-me, enfim, com os livros da promoção (e mais alguns brindes..)
Um novo capítulo dessa história aconteceu domingo passado, num evento realizado pelo site Cronópios e que será reprisado nesta quarta-feira às onze horas da noite. Del Fuego recitou seus contos num projeto chamado Literatura Stand-up.. e eu a acompanhei com o bom e velho Giuseppe (meu violino)... foi algo que aconteceu quase por acaso e com muito improviso, mas que nos fez sentir um pouco rapsodos, ou trovadores!
Quem quiser assistir é só entrar no site Cronópios amanhã às 23:00h (o link está ao lado, já o link do blog da Andréa sempre esteve).
Aguardem que (se os bons ventos soprarem) voltaremos em breve...!


(na foto: Andréa por Edson Kumasaka)

sábado, 16 de maio de 2009

Sweet Dreams (Cap. 2)


Eu ia ao lugar escondido através de sonhos. Ninguém me convidava mas eu ia: direto ao porão do Clube Azul. Teve uma vez que voltava aos 70 e nadava numa festa daquelas bem psicodélicas mesmo, a hostess era a vaquinha do Pink Floyd. Outra vez era um bordel romano, com direito a sauna, piscina aquecida, mirra, vinho, comelanças e sexo por todos os cantos. Todo mundo de cara limpa mas não reconhecia ninguém. Em cada sonho era como se fosse a primeira vez. Somente reconhecia Liliti, que despontava vestida de preto e quieta num canto, fumando solitária.
Uma vez conversei com ela e falamos longamente sobre máscaras.
Ela dizia: _ nosso rosto é nossa melhor máscara
(e vieram reticências se espalhando pelo chão).


(imagem de Bosch)

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O Furacão


Uma vez lá em Sacramento, quando eu tinha em torno de seis anos, anunciaram um furacão!
Ventava muito e todos lá em casa corriam para tirar os objetos do quintal: roupas, bicicletas, brinquedos, e até as galinhas foram parar no porão. Eu já imaginava os furacões de filmes, já vendo a casa inteira rodopiando perdida pelo céu. E seu eu me desprendesse e voasse para longe da casa?
Foi então que minha avó levou meus irmãos e eu para seu quarto e nos apresentou a única solução possível: muita reza! E perante umas três Nossas Senhoras e luz de velas acompanhamos a ladainha das infinitas ave-marias do terço. Na escuridão escutávamos a tempestade imaginando se àquela hora já estaríamos voando... Mas o medo era mais forte que o encanto e tentava me concentrar naquela fé que tão-pouco compreendia.
Por fim o mundo retornou à calma depois de uma tempestade forte, mas tão ordinária quanto todas as outras que já havíamos vivenciado sem alardes. Vovó abriu a janela e mostrou um começo de noite calmo lá fora.
_ Estão vendo como é bom rezar? Impedimos o furacão.
Fiquei maravilhado com nosso feito e o poder da oração. Naquela noite éramos os heróis da cidade!
A partir de então passei a rezar muito, pedindo a Deus que me desse superpoderes.

(e lá se vai casa de Dorothy pelos ares... acho que ela não sabia rezar)

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Sweet Dreams (cap 1)


Mais uma noite que fui ao Clube Azul, mais um noite que perdi... não perdi. Pedi sim para que desta vez fosse algo além de tanto álcool e 300 caras malucas me olhando. Caras malucas tão conhecidas. Eles cheiravam a porão. Já na alta madrugada aconteceu o fenômeno de sempre e eu já tão chapado que confundia as coisas. Só lembro bem de estar com a cara na mesa enquanto a galera desaparecia discretamente por um lado que não era a saída. Sumiam por alguma passagem escondida. A música baixava, ninguém arriscava o palco e um som um pouco mais contido vinha debaixo do chão. Era pra lá que todos iam na alta madrugada e nunca me convidavam!


(Este é o primeiro dos três capítulos desta novela que foram publicados ano passado no Fanzine do Goma. Vou publicar os três aqui para dar continuidade ao projeto, depois disso: só os deuses sabem se isso aqui continuará em capítulos ou se adotará outras formas. Tudo que sair no Fanzine estará no blog também, mas o blog pretende ter capítulos adicionais, quem sabe assim a gente não constrói uma novela-jogo?)

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Crônica de um cidadão desiludido


Faz praticamente quatro anos que vivo em São Paulo e queria tanto saber para onde foi aquela paixão. Aquela coisa que acontecia em meu coração quando fugia de Ilhabela para desfrutar da cidade de infinitas possibilidades, ou quando morava em Campinas e descobri como a capital era mais calorosa que sua vizinha interiorana. Hoje vivo alimentando fantasias longe da cidade embora ela ainda continue sendo, para mim, o palco de tantas possibilidades... continuo descobrindo coisas novas e pessoas maravilhosas em meio a esse turbilhão assustador de pessoas. Mas parece que não tenho mais força para lidar com o reverso da coisa. É gente demais o tempo inteiro e ultimamente parece que estou sobrando... é gente sem educação demais e não suporto tanto desprezo assim pelo outro, mesmo que esse outro no meio da massa se torne nada.
E ainda por cima tem a prefeitura que me contratou em janeiro e não me colocou pra trabalhar até hoje... batalhei para fazer parte de um projeto, acreditei no que dizia o diário oficial com meu nome, acreditei no que assinei e agora? Continuo me sentindo enrolado... Engraçado como ninguém comenta certas coisas por aqui, como por exemplo, a forma que a prefeitura comemorou os cinco anos da virada cultural: orçamento cortado pela metade que resultou em gente demais em poucos palcos e muito espaço ocioso entre as apresentações.
E os imóveis continuam cada dia mais caros, o trânsito mais imprevisível e cheio, o povo mais agressivo, nosso trabalho mais desvalorizado, o ar mais carregado e meu coração cada vez mais desejando prazeres simples como apanhar amoras ou ler deitado na grama...
Será que tudo isso aqui vale mesmo a pena?


(Vai uma foto do Fauno de Brecheret, meu velho amigo dessa cidade e de tempos ancestrais... um dos poucos seres mágicos que consegue sobreviver em meio a tanto monóxido de carbono)