sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Malenas



A todas as Malenas do mundo, até para aquelas que nasceram com outros nomes...


A Malena que conheci não canta tango, tão pouco tem qualquer pena do bandoneón. Já a outra Malena, a da canção que me fez chorar em Buenos Aires, emocionou seu autor em São Paulo nos anos 40. Esta é Malena de Toledo, nascida no Chile, crescida no Brasil, viveu na Argentina, Venezuela e morreu no Uruguai. Minha Malena, que também conheci em São Paulo, não se preocupa em ser assim, mulher da América do Sul inteira, embora já tenha fugido até para mais longe, chegando aos confins da América do Norte.


Está cansada de tango, vinho e tragédia. Trocaria todos os bandoneóns de sua vida por uma orquestra de berimbaus.


Malena prefere fugir dos homens argentinos, quer beber caipirinha, dançar samba e extravasar ruidosas gargalhadas nos restaurantes. Malena é judia e tem uma voz clara, tão diferente dos tons escuros da outra.

Malena procura um homem que não seja seu conterrâneo, talvez tenha medo que se volte a repetir tantas comédias sem nexo que a vida lhe armou. Ontem tentou um noivo canadense, apaixonou pela Bahia e agora pensa em morar em São Paulo.


Já Malena de Toledo cantou o tango que carregava seu nome sem saber que era para ela, quando descobriu ficou de tal maneira impressionada que nunca mais o cantou. Depois de sua morte, tantas outras Malenas reivindicavam ser a musa da canção que até foi criado o dia das Malenas.


A Malena que conheci não se arrisca a cantar nada, mas em cada gargalhada e trejeito expõe seu coração lívido para quem o quiser colher.


sábado, 14 de agosto de 2010

Maldita Milonga


“Não existem fronteiras, as verdadeiras fronteiras são as fronteiras do pensamento...”

Sara Rosales, artista e intelectual que canta tangos no metrô de Buenos Aires


Trinta anos e não tinha ainda colocado os pés fora do Brasil, agora entendo melhor esse país porque estive fora. Em Buenos Aires pude perceber diferentes cores que tão bem me colorem, não apenas porque chorei ouvindo tango e descobri maravilhado a batida de pés dos tocadores de bandaneón, mas principalmente porque me canso um pouco do excesso de gestos, das falas gritadas e do deboche dos brasileiros. Me canso porque também sou assim, e de repente estar num país que é tão próximo e tão distante ajudou a estar um pouco fora de mim mesmo e deixar vir o silêncio. Não sei mais de que parte do mundo sou... Com a identidade confusa sinto que não consigo ser São Paulo, onde turba é violenta, caótica e selvagem. Talvez nem possa ser também Sacramento, onde o povo é delicado e acolhedor, mas capazes de matar tamanduás a pauladas por diversão.

Prefiro ser o eterno estrangeiro...

Não sei como é a Argentina por dentro, não sei o que se esconde nos porões de Buenos Aires ou que tipo de lama apodrece em seus portos... sei que queria um Brasil menos cruel, menos caótico, menos egoísta e que não nos sufocasse dessa maneira com sua massa cega e carente.

Bendita milonga porteña que me fez amar ainda mais o tango, o fado, o samba-canção...

Maldita milonga que doou minha alma ao mundo.