terça-feira, 29 de julho de 2008

Memórias de Jocasta: Capítulo 2


Na casa de Hedoni fui descobrindo os recantos e reentrâncias do mundo, onde tinha muito espaço para correr e me esconder, sempre levando meu amado a um adorável jogo de esconde-esconde. Sentia alegria e emoção em vê-lo me chamar com a voz fanhosa e desesperada. Nesta época ainda não havia tantos bichos, nem crianças, nem Patrícia. Em nossas primeiras noites juntos eu dormia a seus pés e pouco a pouco fui subindo, até que passei a dividir seu travesseiro, alcançando a parte mais alta de sua cabeça... aos poucos foi percebendo que ali seria a porta de entrada para meu verdadeiro lugar no mundo: o fundo falso de uma cartola!

(acho que já vou assumir que o dia desta novela não é na segunda, mas na madrugada de segunda para terça... imagem de April Buckley)

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Ciranda: Syd


Não tinha paciência para bajuladores, mas quanto mais os repudiava mais eles pareciam infestar seu reino. Era uma vida difícil a de Syd, por lidar o tempo inteiro com michês, prostitutas, traficantes, cafetões, eventualmente com os próprios clientes e todo o tipo de gente sórdida, louca e desiludida. Rapidamente aprendeu que a frieza e a impiedade eram suas únicas armas possíveis naquele império que construirá com mãos quase limpas. Aprendera a não se sujar com o sangue de vagabundos. Quando já tinha todas as marionetes que precisava aquela frieza e impiedade contaminaram também sua alma. Passou a sofrer da escravidão que sua própria máscara impunha.
Então surgiu Teodoro, a única pessoa capaz de despertar-lhe outros sentimentos e por um momento vislumbrou a possibilidade de ser uma criatura simples, anônima e livre, capaz de se entregar, qual uma mocinha apaixonada, a suspiros ingênuos e fragilidades.
Sofria em sua incapacidade de se deixar ser.

(Finaliza com este post a primeira rodada da série ‘Ciranda’, como podem ver o ciclo fechou. Agora darei um tempinho para iniciar a segunda rodada, afinal, já inventei de começar uma novela nova e preciso também pensar melhor nos caminhos que essa roda insólita tomará. Mês de Agosto é aniversário do Fast Fábula e de presente para vocês terei uma dedicação especial aos pedidos da promoção deste ano. Aguardem que coisas virão!)

terça-feira, 22 de julho de 2008

Memórias de Jocasta: Capítulo 1


A vida começou como um bolo esbranquiçado. Sim... acho que essas são minhas lembranças mais antigas: Um amontoado branco de textura fofa misturado a um fedor de vegetais apodrecendo. Imagens baças e difusas são a única coisa que me vêm antes da mão de Hedoni, uma mão cálida de onde era possível admirar o mundo inteiro. Sentia-me forte e protegida vendo tudo lá do alto. Nem mesmo minha mãe e meus irmãos sobreviveram àquela mão mágica, cuja paixão me levaria a glória e a ruína.
Mas ainda falo do começo.

(Próximo capítulo virá na próxima segunda-feira)

domingo, 20 de julho de 2008



A incrível história de uma vida de glória e tragédia.

Inspirada na esquete teatral criada coletivamente em um workshop sobre comédia Fast Fábula tem a honra (ou a cara-de-pau) de apresentar:

Memórias de Jocasta

Folhetim novelesco em N capítulos

Toda segunda-feira até a meia noite.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

A eterna angústia urbana


Vejam como este trecho de ‘O Idiota’ de Dostoievski, de 1867, parece ter sido escrito por um cidadão da paulicéia atual:

“Eu não conseguia suportar aquela gente naquele corre-corre, naquela agitação, eternamente preocupada, lúgubre e alarmada, que passava ao meu lado no vaivém pelas calçadas. Por que aquela eterna tristeza, aquele eterno alarme e agitação, aquela raiva lúgubre (porque essa gente é má, má, má!)? De quem é a culpa se eles são infelizes e não sabem viver?"


E por falar em corre-corre a correria desta semana por causa do workshop me impediu de dedicar ao blog, mas há um fruto de um dos exercícios realizados que pretendo desenvolver em conto pra vocês.

Prometo, sem delongas, este texto publicado até domingo!


sexta-feira, 11 de julho de 2008

Ciranda: Laura


Houve uma época que Laura acreditou viver em pleno desastre. Como se tudo o que construíra houvesse desmoronado, caindo irremediavelmente em perdição. Sua ferida sangrava? Depois do susto descobriu que sim, que sangrava, mas que não havia mais o espinho. Então se descobriu de tal maneira livre e plena que nem reconheceu sua imagem remoçada no espelho. Um monte de sentimentos meio mortos voltavam a correr e brincar como criancinhas alegres. Era tanta dádiva que se sentiu por um momento acuada, antes que a revelação viesse em forma de devaneio: estava fadada a semear milagres.
Olhou para seu ódio embatumado e resolveu que era hora da redenção. Pegou sua lista negra e começou a procurar por todos seus antigos desafetos. Inevitavelmente pensou em Syd.
_ Hora de também retirar um grande espinho.
Disse a si mesma enquanto já começava a telefonar.

(Agora uma pequena indagação, só por mera curiosidade... existe alguém que está acompanhando esta série? Imagem de Max Ernst)

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Notícias

Mais um desaparecimento do blog devido a uma operação de extração de dentes de Siso. Mas passo bem e teremos postagens fresquinhas até no fim-de-semana. Já aviso que semana que vem provavelmente será uma semana difícil, mas por uma boa causa. Fui selecionado para outro workshop de dramaturgia do SESI, desta vez sobre comédia, com Mário Viana. Espero que todas essas seleções e oficinas indiquem meu futuro promissor nesta área.
Abraços!


(de presentinho para o momento deixo esta pérola: Nara interpretando Joana Francesa)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Tolo de Ouro

Tive um companheiro humano. Era um homem de um metro e oitenta e orelhas arredondadas que a partir de uma manhã cinzenta passei a bisbilhotar por mera curiosidade. No começo eu me divertia trocando seus objetos de lugar. Ele nem sonhava com minha existência! Depois fui tomando compaixão por aquela criatura grande e desengonçada. Muitos humanos não entendem, mas é assim que nós duendes começamos a fazer amizades. Um dia chegou o momento de me apresentar e trouxe um punhado de boa sorte como presente. Naquele dia ele ficou muito feliz e ganhou boas rodadas de pôquer. Então descobri que ele era um viciado em jogo e bebida. Comecei a ajudá-lo para que não perdesse os limites com o álcool nem fizesse apostas erradas. No começo ele era atencioso e me respeitava muito, mas logo me cansei daquelas noitadas esfumaçadas. Ele exigia que fosse sempre com ele e quando relutei se tornou violento. Uma vez até me aprisionou numa gaiola, deixando-me na varanda, onde gatos famintos me rondaram ávidos. Ele então roubou meu chapéu e minhas botas para que eu nunca o abandonasse. Mas houve uma oportunidade, numa noite que quase desencanei de meus pertences. Ele já estava bêbado quando apareci. Ajudei-o nas melhores jogadas como sempre fizera, sem descumprir minha promessa, porém não alertei quando à bebida. Assim que ele caiu os outros jogadores se encarregaram de saquear seu ouro. A mim só interessava meus objetos roubados, cuidadosamente escondidos no bolso interno de seu casaco.
Corri feliz e livre como nunca naquela noite.


(imagem de Botero)

terça-feira, 1 de julho de 2008

Cisma de junho


Sempre tive a impressão de que junho é um mês sem lembranças. Essa sensação me veio enquanto pensava no ano passado, buscando reviver as marcas juninas.Tentei até lembrar de outros junhos e o vácuo persistia. Estranho! Logo eu, que estou tão acostumado a lembrar bem dos fatos e encaixotá-los precisamente no ano e mês que ocorreram. Mas neste ano fiquei mais atento e descobri que coisas incríveis acontecem em junho e talvez eu tenha só uma cisma (ou alguma confusão dos compartimentos de minha cabeça que acaba encaixotando junho e julho na mesma gaveta).
Em junho deste ano: Assisti filmes maravilhosos como My Blueberry Nights do Kar-Wai e A Hora do Lobo do Bergman, venci uma promoção no blog da Andréa Del Fuego e vou receber três livros autografados, tive momentos de Afrodite na performance que realizei junto com os colegas de teatro vocacional e ainda consegui dar uma boa guinada neste blog... vamos torcer agora para que os bons ventos continuem, e que julho não tenha invejas de seu irmão gêmeo.
Deixo de lembrança a imagem de Botticelli que fez parte do processo criativo de nosso grupo de teatro... uma alegoria da primavera em pleno inverno.