segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Antologia Fast Fábula


Como último post do ano aqui decreto minhas férias do blog... desejo a todos vocês um 2008 pleno!
E como vou estar sumido até mais ou menos dia 15 (embora espero que me venham surtos incontroláveis de inspiração...) publico aqui a primeira antologia Fast Fábula, uma seleção que faço dos contos que mais gosto. Assim, quem já freqüenta este espaço pode recordar, e quem é novo pode ler diretamente o que temos de melhor a oferecer:
1 – O Sonhador
2 – Poema de vento e mar
3- Tio Ludovico
4 – Era uma casa
5 – Um Fantasma
6 – Uma menininha triste
7 – A mão decepada (com o final alternativo)
8 – A Outra
9 – Cecília e os Anjos
10 – A casa de doces
11- Pães-de-queijo para Regina
12 – Histórias de mamãe lobo
13 – 200 Gatos
14 – Marcus Casanuova
15 – A bailarina aprisionada
Obrigado pela companhia de todos! Prometo ficções para 2008, se serão boas... só os deuses sabem, mas garanto que haverá esforço e dedicação sincera. Aliás, fiquem atentos, um romance está sendo escrito aqui... e como se trata de um processo em construção há espaço para interação. Quem interagir pode ir pra futura dedicatória.
Grandes Abraços
Até!
(e como última mensagem termino com esse clipe tão tocante do Sigur Ros)

sábado, 29 de dezembro de 2007

Arabescos


para Fabiana e Amadan
Havia tanto de Fel e Cecília nos discos que em algumas noites não conseguiam escolher o que ouvir! Talvez Piazzola? Como na primeira noite em que ela estivera lá e revelara como seus tangos a faziam arrepiar! Arrepiar-se onde não devia! Uma música que faz amor lento, dedicado, repleto de paixão sincera. Ou o velho Villa? Que tanto ouviram e poderia levá-la a outros estados, a vôos em florestas de araras gigantes ou mergulhos em pântanos lamacentos, mas cheios de tuiuiús solenes e Iaras de cabelos negros. Quem sabe um pouco de Stravinsky? Um pouco de sua selvageria orgânica, como na noite em que ela dançou bêbada no quintal adorando a terra, o céu, as estrelas, o infinito da noite. Música que vinha emaranhada com os sons mais profundos de si e despertava-lhe risos de louca.
Quando Cecília partiu a música perdeu o sentido para Fel...
Restou-lhe naquela época um silêncio tão ausente de sensações que nem mesmo a solidão doía.
Perdia então algumas noites tentando inutilmente escolher a música para o dia em que ela voltasse.


(Esse post já foi publicado na versão anterior do meu blog, era um dos que não trouxera para o novo, aqui em baixo segue o comentário feito por Amadan, um leitor português que infelizmente sumiu... o comentário dele dá uma dimensão e uma beleza ao texto que me surpreenderam:

Amadan disse:

A música era o ornamento de Cecília. Querendo-a bela, Fel tantava ornamentá-la com o que melhor e mais bonito conseguia encontrar. Se fosse ao contrário, ser Cecília o ornamento que daria mais beleza à música, esta não se teria silenciado para Fel, teria fica só mais triste. Belas imagens que são uma viagem para um estado melancólico. Belo texto. Um abraço.)

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Todas as mulheres do mundo


para Aninha

Mariana era ciumenta e se conhecia bem o suficiente para saber que sofreria a vida inteira por isso. Era uma mulher muito compreensiva, e apesar de sentir o sangue ferver a qualquer sinal de que seu marido detinha os olhos em outra, respirava fundo e lembrava a si mesma da inconstância do desejo dos homens.
No começo do namoro brigara muito, dera alguns pequenos escândalos, algumas unhadas discretas, mas aos poucos foi se controlando até numa noite, depois de vê-lo entrar em transe simplesmente porque se vestira de cigana, percebeu que seria a esposa perfeita se pudesse lhe proporcionar o sabor de todas as mulheres do mundo.
E ele ficou surpreendido com essa nova realidade, cada dia encontrando uma outra habitante no corpo de sua esposa. Às vezes amanhecia com uma colegial safada, almoçava com uma guerreira oriental, tomava café com uma bailarina e por fim dormia com uma senhora inglesa. Já eram tantas Marianas ou Anas ou Marias que ele se sentia confuso.
Agora continua olhando sorrateiramente para as mulheres à sua volta, que se misturam às que Mariana representa, numa sutil nostalgia e esperança de reencontrar a moça ciumenta com quem se casara.


( Desculpem passar uma semana sem publicar, sabe como é, festas de natal somados ao fato de que na casa de minha mãe tenho que dividir o uso do computador, mas prometo ainda dois posts esse ano. Imagem de Max Ernst)

sábado, 22 de dezembro de 2007

O Império Submerso


David, meu querido David...

eu tentei perseguir os coelhos marrons deste império (que os péssimos tradutores chamaram de onírico e que eu chamo de submerso), mas acabei me perdendo logo no começo do caminho. Só me resta agora afogar minhas mágoas no Clube Silêncio e esperar que Rebecca del Rio venha esta noite para que eu entenda de uma vez por todas que:
_ NÃO HÁ BANDA!
David, entenda minha desilusão adolescente: Quando finalmente posso assistir uma obra sua no cinema não se trata exatamente de um filme para a grande tela. Aos meus olhos as imagens de Inland Empire são mais apropriadas para a tela do computador mesmo, e assim quero revê-lo, com direito a devidas pausas para café e debates calorosos. Aí vou debulhar o filme devagar, certo de que meu coelho branco achará seu caminho perfeito. Mas por enquanto continuo com a chorona... uma imagem definitiva!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Quase


Por toda a noite os três bordéis do quarteirão brigavam por atenção.
_ Hoje não paga entrada...
_ Hoje não paga a cerveja!
_ Hoje só tem moça virgem.
E a rua se dividia entre boêmios perdidos na madrugada de quarta-feira e os moradores da região que tentavam dormir. Entre eles havia um senhor não muito paciente e que cada noite polia sua arma alimentando o sonho de calar aqueles galos presunçosos. Naquela noite, rodeado por problemas no trabalho e devorado pela insônia, o homem foi para sua posição privilegiada no sétimo andar e começou a mirar em silêncio...

_ Uni... duni... tê...
E o tiro escapou num estrondo quase ignorado em meio à barulheira de buzinas, encontrando a carne de Margarida ao invés de seu alvo. Logo a rua fervilhava de viaturas e vozes que tornaram a noite do atirador ainda mais angustiante, enquanto a moça caída no chão sentia-se querida por se tornar o centro das atenções daqueles olhos carinhosos, até esqueceu a dor e sorriu para o anjo da morte, mas preferiu flertar com o belo enfermeiro, com quem teve um amor intenso ainda no hospital.
E ele quase foi o homem de sua vida, mas nunca mais ligou para ela quando ganhou alta.
Margarida foi muito infeliz.

(imagem por Charles Domsky)

domingo, 16 de dezembro de 2007

A Alma do Vinho




“Sempre um cálido peito é um sepulcro sem preço
Em que eu vivo melhor que nas frias adegas.”
Baudelaire

(esse filme foi uma criação conjunta, mas houveram algumas funções especiais em sua execução. Câmera por Rodrigo Tibyriçá, mãos por Vivi Amodio, contra-regragem por Gabriel Küster e violino por Celso Amâncio. A edição ficou por conta de Ana Machado. Comecei a produzir um texto para ilustrar o vídeo, mas preferi deixar apenas o Baudelaire, assim não interfiro na interpretação tão íntima que podem ter. Espero logo postar mais filmes!)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Com novos olhos


Depois do jantar todos riam e bebiam fartamente quando o Mestre de Cerimônias propôs que cada um experimentasse a peruca escarlate, tranformando cada rosto em caricatura inesperada:
_ Olha parece a Elke Maravilha...
_ Nossa... é o Roberto... igualzinho!
_ Tá parecendo secretária de filme americano.
De repente chegou a vez da Lisa, que estava distraída conversando outros assuntos, mas já causava expectativas devido a seu semblante naturalmente cômico.
E qual não foi a surpresa!
Lisa ficou linda: as linhas de seu rosto destacaram e os olhos revelaram-se de um desenho tão belo, porém nunca percebido antes daquela franja curva e do contraste que o vermelho-sangue provocava. Até seu corpo tornou-se gracioso e a moça não entendia o deslumbre de seus amigos. Correu ao espelho e confirmou boquiaberta:
_ Sou outra pessoa...
Despedindo-se apressadamente partiu sem dar explicações. Seguiu noite à fora dirigindo inquieta, tentando um diálogo com aqueles olhos arredios pelo retrovisor.
Só quando quase amanhecia que escolheu seu novo nome.

(imagem de Modigliani)

AINDA ESTA SEMANA: um post com um curta que realizei recentemente com amigos. A alma do vinho

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Folhetim de fim de noite


Numa noite, Nanãna encontrou Cecília na contemplação do bar quase vazio e resolveu colocar a conversa em dia após tantos anos.
_ E como vão seus amores?
_ Nada muito emocionante... e os seus?
_ Querida! Estou casada com um príncipe de um reino pequeno e muito rico na Europa, ele é primo primeiro lá das princesas do Mônaco. E olha que o encontrei vagando pela rua por aqui! Ele foi criado em São Paulo porque sua mãe fugiu com medo, já que ele era o principal herdeiro da fortuna da família, ela temia por sua vida. Assim viveram anos escondidos, levando uma vida modesta, sem que ele nem mesmo soubesse do sua linhagem. Então veio a notícia de que todos já haviam se matado lá no castelo e minha sogra pôde finalmente retornar, limpar os cadáveres e colocar as mãos em seu reino. Aí nos conhecemos e agora passo meus dias mundo afora, vivendo de uma fortuna que não sofrerá abalo por pelo menos cinco gerações.
Cecília suspirou, sentindo-se decepcionada por sua falta de imaginação perante toda a riqueza de Nanãna.
Aspirou madrugada e tédio no fundo do copo, enquanto a boneca ainda falava sem parar, agora sobre a magnitude de seus filhos.

(imagem de Anderlene Gefuehl, eu acho...)

sábado, 8 de dezembro de 2007

Sobre a loucura dos escritores


Conversávamos, após uma palestra, sobre o homenzinho que fizera a última pergunta. Era uma figura patética, cheio de sorrisos meio contidos e que estava a tal ponto desesperado em mostrar sua presença que arriscou um amontoado de palavras desconexas, sem conseguir dizer nada além de escancarar sua ansiedade.
No meio dessa conversa meu colega começou a lembrar outras figuras aparentemente loucas que também estiveram lá.
_ Mas escritores são assim mesmo...
Comentei e, já no ônibus que pegamos juntos, pude ouvir os pensamentos do outro me sondando:
“Hum... você também é meio psico...”

Sob um olhar incisivo e analítico sentia que eu começava então a me fragmentar, trazendo à tona um lado meu cheio de idiossincransias. Com a sensação de pleno delito eu queria fugir da sutil metamorfose: começava a me tornar o homenzinho! Quanto mais disfarçava minha loucura mais ela se escancarava. Não tinha opções, refugiar-me num banco seria esquisito, permanecer em frente a ele implicava em tentar criar assuntos que não se conectavam, ficar calado seria pior. E de repente até meu corpo me traía em cacoetes e tiques. Por fim, mesmo quando o colega desceu a sensação de ser esdrúxulo continuou e segui pra casa fugindo do olhar de todos que cruzaram meu caminho, sem conseguir recuperar minha sanidade naquela noite.
Eu não estava mais no mesmo planeta.


(imagem de Robert Anderson)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Pequeno diálogo


Fui selecionado para uma oficina do núcleo de dramaturgia do Sesi, trata-se de uma parceria com o British Council para orientar e descobrir novos autores. O processo seletivo pedia que escrevêssemos um diálogo, de no máximo 1.000 caracteres, tendo no mínimo dois personagens, sendo estes o próprio avaliador e o candidato à vaga justificando sua participação. Agora publico o texto aqui para a apreciação de vocês.
(Qualquer semelhança com algum outro texto deste blog não é mera coincidência).


AVALIADOR
Como você justifica sua participação no workshop?
CANDIDATO
Não devo explicações. Já estou garantido.
AVALIADOR
Como pode ter tanta certeza assim?
CANDIDATO
Já vendi minha alma, fiz acertos com Mefisto e tô pronto pra uma carreira bem sucedida.
AVALIADOR
Mas se já está com o futuro garantido esse workshop não te serve pra nada.
CANDIDATO
Serve pra vocês! É uma grande oportunidade que estou dando de graça.
AVALIADOR
Como assim?
CANDIDATO
Investir em alguém que já tá com a trapaça comprada é sucesso certo!
AVALIADOR
(irônico) Ah Claro! Ótimo mesmo! Vou incentivar a trapaça e ainda ter trato com o diabo...
CANDIDATO
(interrompendo) Mas quem está com a alma entregue sou eu.
AVALIADOR
E de que vale um dramaturgo sem alma?
CANDIDATO
Fica frio, ela tá comigo até a morte, o diabo pensa em tudo. E outra, vários casos deram certo. Não conhece lá aquele violinista? O Paganini?
AVALIADOR
Sei sim! Música cheia de artifícios e vazia de sentimento...
CANDIDATO

Mas fez sucesso, não fez?

(em homenagem à Grande Dramaturgia, ilustro com Édipo e a Esfinge)

domingo, 2 de dezembro de 2007

Um sonho


No sonho que tive ia com uma amiga para uma casa de morte.
Havia apenas uma regra: nenhum além de nós dois podia sair com vida de lá. Havia sangue no chão e eu percebi nela a melancolia de quem quer suicidar... então encontramos um conhecido. Ele estava sorridente e tentava me matar enquanto escorregávamos nas poças coaguladas. Eu não tinha coragem, mas tinha que matá-lo! Atacava-o com um taco de beisebol enquanto ele apenas me fitava, ainda sorrindo, sem sofrer qualquer abalo dos golpes.
Acordei antes de efetivar o crime.


Como já disse Nietsche... quando sonhamos todos nós somos artistas perfeitos, portanto, aqui compartilho as imagens perfeitas deste artesão onírico que molda sua obra anônima com a matéria prima essencial de nossos sentimentos mais inocentes.

(ilustrando: um pesadelo de Fuseli)


Ontem uma peça que recomendo a todos: "Divinas Palavras", o melhor elenco dos Satyros numa montagem maravilhosa e perturbadora. Nesta imagem... Ângela Barros... e de nada valem as minhas palavras... só assistindo.